quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Afinal, somos humanos não somos?



Bom, decidi que postaria uma crônica que já fiz há algum tempo, mas que mereceria estar aqui desde o momento em que foi posta no papel. Essa rápida introdução é apenas para ressaltar que o pessimismo demonstrado nos textos que aqui posto, não é proveniente de experiências reais, tampouco é exposto de maneira intencional. Tenho uma vida muito animada, diga-se de passagem.  Contudo, o que me vem à mente e acho que é digno de ser mostrado, eu o faço. Pessoalmente, das coisas alheias que trago ao mundo, esta foi uma das que mais me arrependi. A última flor do Lácio não merece certos tipos de horrores trazidos à tona; o texto em si não traz nada de terrível, nem é extraordinário, apenas me deu medo de sentir na pele tudo aquilo que o personagem sentiu. Não tente encontrar metáforas nem enigmas nas entrelinhas... Não fiz com esse propósito. Não é bem escrito, o título não é bom, não é profundo, mas ser aquele homem é aterrador. Chega de enrolar, parte logo para a leitura.


Uma breve história

Ele preferia permanecer de olhos fechados. Tudo era monótono e vazio: aquela maca, as paredes brancas, o sorriso falso das enfermeiras maquiando a realidade. Mas o que mais revoltava e indignava o homem eram as cenas absurdas e hiperbólicas que a família encenava ao ouvir as más notícias trazidas pelos médicos.
Lembrou-se então do dia em que recebera a notícia. Aos trinta anos descobrir que desenvolveu um tumor no intestino não era nada animador. Recebeu a notícia como algo banal; não que não soubesse a seriedade do que estava por vir, mas estava disposto e encará-la sem medo.

Bom seria se dependesse apenas dele. Trataram-no como finado. Entre assinar papéis e encaminhar procurações, foi lembrado de nunca fizera um testamento. 25% para o filho mais novo, 25% para o mais velho e o resto para a esposa. Na assinatura do termo, um sentimento tão claustrofóbico foi despertado; aquele que se esconde aguardando um menor descuido na sua autoconfiança. Aprece para dar início aos conflitos longos e desgastantes: a dúvida. “Vou morrer hoje? Amanhã?”, perguntava-se desesperado, “Amei o suficiente? Fui Amado o suficiente?”.

Sem perceber, a família o fazia acreditar que todos os dias eram o último. A quimioterapia fazia sua função, todavia os efeitos colaterais somados às picuinhas familiares chamaram o homem ao leito de morte.

Depois das lembranças aterradoras, imaginou a frase de seu epitáfio. Pensamentos fúnebres eram constantes e por isso não fazia questão de ignorá-los. Já escolhera a roupa, o caixão, comprara a jazida – tudo com auxílio da família, que não pestanejou -, mas aquele maldito grupo de palavras unidas resumindo o que foi uma vida não lhe vinha com facilidade. “Aqui jaz um homem morto”, ironizava, sempre antes de desistir. Conclui então que ao menos essa conjectura deixaria para a família.

Abriu os olhos, contudo não se sentia o mesmo. Percebeu que a ceifadora batia à sua porta. Olhou para os filhos sentados a beira da maca, brincando distantes, com seus cérebros infantis imaginando os seus poderosos carros alcançando o infinito. Admirou a esposa sentada no pequeno sofá de enfermaria fitando a rua e o céu plenamente azul que cobria a cidade neste dia. Sussurrou para si mesmo: “Foi bom viver”. Entregou-se à Morte como uma pena flutua sobre um lago sereno. 


P.s.: Um pequeno feedback seria interessante.